sábado, 13 de setembro de 2014

Ursinho de pelúcia

    Antes mesmo de aprender o bê a bá, Valéria aprendeu também que havia de ser forte. Pelo menos foi o que ouviu de seu pai, ao que ele enxugou as lágrimas que escorriam em seu rosto no primeiro dia de aula e partiu, deixando-a sozinha.
    Junto com a puberdade, vieram o batom, o brinco e o sapato de salto alto. Valéria fazia tudo que estava a seu alcance para passar uma boa impressão às amigas da rodinha de amizade. Comprava a revista que estava em voga, fofocava sobre o novo namorado da cantora que todas as meninas de sua idade gostavam e evitava usar os óculos em público, pois "deixavam-na feia"; sem perceber, revirava sua personalidade ao avesso para agradar as amigas.
    Enquanto enxaguava o xampu alguns anos depois, arrependia-se por ter se sujeitado a tudo isso. Prometeu para si mesma que, daquele momento em diante, faria diferente. Seria diferente.
    Colocou os óculos sobre o nariz, a maleta de couro nas mãos e foi à luta. A primeira de suas muitas batalhas foi num lustroso prédio de espelhos negros. Entrou de cabeça em pé, lembrando-se do que seu pai havia lhe dito quando pequena.
     Conseguir o emprego foi fácil; difícil mesmo foi conquistá-lo dia após dia. Sua postura e seu tom de voz eloquente deixava bem claro que ninguém passaria por cima dela novamente. Carregava na ponta da língua uma retórica que mais parecia uma navalha. Tornou-se um rolo compressor de terno, tamanco e perfume.
    Já não tinha mais seu pai. Todas as noites, ao deitar-se, Valéria abraçava seu ursinho e sentia como se aquela moça dona das próprias pernas voltasse a ser aquela pequena menina que tinha de virar-se sozinha. Lembrou-se de alguns coleguinhas de classe que, à época, sugavam-na com os olhos, curiosos, julgando que Valéria seria covarde por chorar em público. A verdade, no entanto, é que todos ali possuíam o mesmo sentimento de desespero, mas a única corajosa o suficiente para demonstrá-lo havia sido ela. Ela era forte; mais forte do que jamais imaginou.