segunda-feira, 6 de abril de 2015

Peter Pan às avessas

    Beep beep. Beep beep. Às seis em ponto, o despertador cobrava de Pedro as horas mal dormidas. A água quente do chuveiro nunca estava quente o suficiente, ao contrário do café de Dona Neusa, que sempre estava quente demais; pelo menos para ser bebido num só gole. A pressa obrigava Pedro a queimar sua língua de segunda a sexta. Os ponteiros marcando seu turno de trabalho não iriam esperar.
    Em sua adolescência, Pedro adorava ouvir música, dos mais diversos tipos. Teve diversas fases cujos estilos foram desde os mais góticos do submundo, passando por sertanejo, até os eletrônicos das baladas noturnas. Não importava o que fosse; o importante era ter música. Agora, porém, sequer lembrava o que era música. Não tinha tempo para tolices. No escritório, só o barulho de vários telefones tocando ao mesmo tempo, acrescidos dos sons internos da mente tempestuosa de problemas.
    Sua diversão, que um dia já fora regada à base de calorosas conversas com os amigos e competições amistosas no único fliperama da cidade, agora se resumia a passar as noites sozinho em um canto empoeirado do bar. Começou a frequentar o Bar do Arnaldo havia muitos anos, após um dia estressante (como se todos não o fossem). A frequência começou a aumentar paulatinamente e, em um determinado ponto, já nem sabia porque ia. Estressado ou não, estava tão habituado com aquilo que passou a fazê-lo de forma mecânica, talvez sob uma distante esperança de que retornasse o prazer que um dia o álcool lhe fornecera como válvula de escape, de modo a jamais ter se esvaido. Ou talvez por mero comodismo, quem sabe.
    Como um animal selvagem que dá voltas em círculos, exasperado, sem saber para onde correr, justamente por ser não ser capaz de refletir do que está correndo, Pedro era infeliz e, incapaz de identificar os motivos, culpava a tudo e a todos; exceto a suas próprias escolhas. Vivia todos os dias, mas morria pouco a pouco a cada um deles.