terça-feira, 15 de setembro de 2015

Em busca do Neston perdido

    Acordei com uma vontade inexorável de comer Neston. Fui em busca de meus sonhos. No horizonte, o sol preparava seu leito para repousar: os estabelecimentos comerciais estavam à beira de fechar. Não permiti que isso me abatesse. Saltei da cama no ímpeto irredutível de quem está determinado a ultrapassar todas as barreiras e corri. Corri contra o tempo e contra o espaço que me separavam da mercearia mais próxima. Na rua, enfrentei quimeras mitológicas, grandes e vermelhas (muito embora haja algum dissenso, já que alguns camponeses semi daltônicos teimosamente insistem que são laranjas) com os dizeres "Santa Cândida" e "Capão Raso" em sua testa monumental. Como sou um exímio desavisado, por muito pouco não fui devorado por um desses monstros, que trilhava seu caminho em sentido contrário ao que eu estava habituado. Ao fundo, os pilares das acrópoles reluzindo ao sol poente pareciam recrudescer meu instinto de sobrevivência; estou certo de que Atena tem algum dedo nisso.
    Não encontrei o tal Neston na primeira loja na qual me aventurei a entrar. Nem na segunda, tampouco na quinta. Chorei? Chorei, mas ninguém precisava saber. Degustava mentalmente a tal farinha láctea do Olimpo e desejava acreditar que nem mesmo o Oráculo saberia os motivos pelos quais não haveria um mero pacote de Neston no centro da Pólis de Curitiba.
     Mas foi secando as lágrimas que vi um anúncio ao longe. Um mercadinho escondido nas profundezas do esquecimento ainda jazia aberto. De esperança renovada e orgulho guardado no bolso, corri para mais uma jornada em busca do Neston perdido. Encontrei-o numa estante ao fundo do estabelecimento; uma luz angelical iluminava o pacote e as partículas de poeira, que bailavam no ar ao som de quinhentas mil sonatas. O preço, nada módico, saltou aos olhos e me fez repensar por alguns segundos se valeria a pena gastar tantos dracmas numa porção tão pequena de manjar dos deuses. Ao fim, concluí que não voltaria para o meu lar sem aquilo que me dava sentido. Vislumbrei o pacote de Neston colorindo meus dias e resplandecendo minhas manhãs e decidi que era aquilo que eu queria para a minha vida, ainda que custasse os meus dois olhos, como custou a Édipo. Foi exatamente num impulso vertiginoso que, com as mãos nuas, reivindiquei aquilo que era meu por direito, ou por destino, se assim preferir.
    Levei também duas goiabonas, em homenagem a uma amiga muito querida, e um pacote de biscoito de polvilho, cujo tamanho chegava a ser maior do que minha gana pelo Neston. Nesse processo, esqueci o essencial. Ao chegar em casa e abrir o Neston com uma avidez desmedida pelo cereal, percebi que não havia comprado leite. O chão se abriu sob meus pés. Eu teria certamente regado a ambrósia com lágrimas, se assim o pudesse, mas minhas lágrimas já haviam se esgotado, e o último resquício de esperança também.
    Se tudo isso foi real? Tomo a a liberdade de responder com outra pergunta: o que é real? Foi sim, em grande medida, real, mas esta é uma pergunta que esvazia todo o propósito deste relato.
    De qualquer forma, questões metafísicas à parte, lamento desapontar o leitor caso este estivesse aguardando, inquieto em seu assento, um desfecho jubiloso e compreensível. Ainda que às vezes pareça um grande conto de fadas, a vida nem sempre tem um final feliz. Muitas vezes seu fim pode ser premeditado, sem sentido, tão esfacelado quanto o Neston seco que jaz agora sobre minha pia.