segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Joaninha

    Com as costas arqueadas e um andar em trancos, ela chegava à escola procurando não anunciar sua presença. Seus olhos eram recobertos por pesadas pálpebras e se escondiam sob as grossas lentes dos óculos; em seu rosto se manifestava uma puberdade que insistia em estender-se por mais tempo do que o devido. Aquelas manchas eram, na verdade, resultado de uma incessante tentativa de espremer as espinhas e cobri-las com maquiagem, para impedir que ela se sentisse ainda pior consigo mesma.
    Sentava-se em um canto com sua mochila roxa e, enquanto os demais alunos iam chegando, sentando-se e conversando entre si, seus olhos fugiam furtivamente da página 42 do livro que estava lendo para observá-los. Por trás do fundo de garrafa, seus olhos eram curiosos e amigáveis; contudo, tímidos demais para deixar que as outras pessoas percebessem.
    Gostava muito de prestar atenção nos papos divertidos das meninas que sentavam ali perto. Participava ativamente da conversa, apesar de fazê-lo exclusivamente em seus pensamentos. Observava a página amarelada do livro para disfarçar, mas sua boca não resistiu e, sem querer, esboçou um rápido sorriso quando a menina de arquinho contou o que acontecera no dia anterior, fazendo as amigas — inclusive as que não sabia que tinha — caírem no riso.
    Não digo seu nome pois não o sei. O fato é que, após observá-la durante várias semanas, decidi chamá-la de Joaninha. Não ao acaso, claro; via nela um pequeno inseto, silecioso, inseguro e desconhecedor da beleza que possuía. Achei melhor não chegar perto. Seu sorriso era tão frágil e cauteloso quanto o próprio andar de uma joaninha, que toma o cuidado de parar quando alguém olha.
    Perdão, Joaninha, mas você não é invisível. O que falta às pessoas é uma pitada de sensibilidade e ternura no olhar para que fique bem clara a luz que há em você.

sábado, 13 de setembro de 2014

Ursinho de pelúcia

    Antes mesmo de aprender o bê a bá, Valéria aprendeu também que havia de ser forte. Pelo menos foi o que ouviu de seu pai, ao que ele enxugou as lágrimas que escorriam em seu rosto no primeiro dia de aula e partiu, deixando-a sozinha.
    Junto com a puberdade, vieram o batom, o brinco e o sapato de salto alto. Valéria fazia tudo que estava a seu alcance para passar uma boa impressão às amigas da rodinha de amizade. Comprava a revista que estava em voga, fofocava sobre o novo namorado da cantora que todas as meninas de sua idade gostavam e evitava usar os óculos em público, pois "deixavam-na feia"; sem perceber, revirava sua personalidade ao avesso para agradar as amigas.
    Enquanto enxaguava o xampu alguns anos depois, arrependia-se por ter se sujeitado a tudo isso. Prometeu para si mesma que, daquele momento em diante, faria diferente. Seria diferente.
    Colocou os óculos sobre o nariz, a maleta de couro nas mãos e foi à luta. A primeira de suas muitas batalhas foi num lustroso prédio de espelhos negros. Entrou de cabeça em pé, lembrando-se do que seu pai havia lhe dito quando pequena.
     Conseguir o emprego foi fácil; difícil mesmo foi conquistá-lo dia após dia. Sua postura e seu tom de voz eloquente deixava bem claro que ninguém passaria por cima dela novamente. Carregava na ponta da língua uma retórica que mais parecia uma navalha. Tornou-se um rolo compressor de terno, tamanco e perfume.
    Já não tinha mais seu pai. Todas as noites, ao deitar-se, Valéria abraçava seu ursinho e sentia como se aquela moça dona das próprias pernas voltasse a ser aquela pequena menina que tinha de virar-se sozinha. Lembrou-se de alguns coleguinhas de classe que, à época, sugavam-na com os olhos, curiosos, julgando que Valéria seria covarde por chorar em público. A verdade, no entanto, é que todos ali possuíam o mesmo sentimento de desespero, mas a única corajosa o suficiente para demonstrá-lo havia sido ela. Ela era forte; mais forte do que jamais imaginou.