domingo, 19 de outubro de 2014

Caqui em números

    Os números sempre encantaram Ian. Não por suas inúmeras operações e funcionalidades algébricas que esbanjam abstração, mas pelo fascinante fato de que absolutamente tudo pode ser quantificado, ainda que a seu próprio modo.
   A matemática dava a Ian uma certa sensação de controle, principalmente sobre coisas que não podem ser controladas. Peguemos o tempo como exemplo: por mais impossível que seja fazê-lo passar mais devagar, Ian sentia-se mais seguro se checasse seu relógio em intervalos pontuais para certificar-se de que tudo ia conforme o planejado.
    O mesmo valia para as finanças. Apesar de sua mesada esvair-se com uma velocidade incrível, Ian insistia em tabelar e fazer gráficos sobre os gastos. Alguns amigos próximos chamavam-no inclusive de caxias, e talvez não estavam tão errados em pensar que o garoto era um pouco sistemático. Entretanto, a certeza de saber exatamente onde estavam indo suas poucas células coloridas era reconfortante.
    Era quase uma questão paradoxal: Ian usava a abstrata matemática em coisas aplicáveis e efetivas de seu dia a dia, de modo a reverter a abstração desta e da própria realidade.
    Já parou para pensar — e lhe garanto que Ian já — que uma sequência de números pode conter as coordenadas geográficas do local de sua morte, seguidas pela exata data e hora? E isso se aplica mesmo às coisas mais simples. O preço do quilo do caqui na feira, a quantidade de nuvens num dia ensolarado, e até mesmo o telefone de alguém amado. Singelos números com um significado maior do que as pessoas poderiam imaginar, especialmente se o amor de sua vida for fã de caquis e estes, por sua vez, fossem ameaçados por uma chuva em potencial.
    Tudo estava conectado, embora nem todos conseguissem enxergar as vírgulas e as operações entre tantos algarismos.